quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O mundo em que vivemos

Hoje, sentado no carro à entrada da escola dos meus filhos, estava um casal à espera dos seus.
Ele falava alto ao telemóvel, gesticulava, vociferava barbaridades. Ela olhava para o lado enquanto os miúdos não vinham e fingia-se invisível. Imagino que não se importaria de se fazer de morta, tais as proporções angustiantes que a conversa telefónica tomava.
Os putos chegaram. Pequenos. Do primeiro ciclo. Queixaram-se que a mãe estava atrasada e correram-lhe para os braços num gesto espontâneo. Ele continuava ao telefone. Batia com os punhos cerrados no volante e grunhia impropérios, estilo "vou passar-te a ferro, não tarda". Ela corava de medo e de vergonha. Silenciosa. O carro em silêncio, como se não tivessem entrado duas crianças em idade de fazer barulho.
Desviei o olhar da cena surreal por respeito à mãe e aos filhos, que se mantinham imóveis não fosse a fúria chegar-lhes ainda mais perto. Fagulhas daquela tempestade quente que pudessem queimá-los para sempre.
Ao fim de uns minutos valentes, ele pôs o carro em andamento e seguiu, com uma mão no volante, outra pousada no maldito telefonema, bradando aos céus com uma família inteira por sua conta.

Quero acreditar que chegaram a casa sãos e salvos. Que o pai terminou o telefonema pouco depois e que pediu desculpa à mulher e aos filhos pelo tom lastimável, pelo desatino, pelo desconforto. Quero acreditar que ninguém levou por tabela, que se tratou de uma situação pontual, de um descontrolo ocasional, de um desvario. Quero acreditar nisso com todas as minhas forças.
E ainda assim, são onze e meia da noite e tenho dúvidas.
Que raio de mundo este, em que vivemos.

1 comentário:

Escrever Fotografar Sonhar disse...

Pela tua descrição também tenho as minhas dúvidas.
O medo tem sempre um passado. Infelizmente há demasiados casos desses à nossa volta.