terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Da minha nova tabela salarial [e do medo que se transforma em acção]

Quando acabei a faculdade, a minha grande preocupação era arranjar um emprego estável. Algo dentro da minha área de formação e que durasse uma vida inteira, de preferência. Queria casar, ter filhos e fazer tudo aquilo que é suposto fazer-se. 
Entrei na instituição em que ainda hoje trabalho através de um programa de estágios que já não existe, e passei de estagiária a efectiva sem dificuldades, num tempo em que bastava mostrar alguma proactividade e capacidade de adaptação.
Era solteira e boa rapariga e não aspirava a grandes voos. Não queria correr a América do Sul com uma mochila às costas {aventura em que se meteu agora um ex-estagiário que orientei}, não queria ser empreendedora, nem "fazedora", nem nada que implicasse correr grandes riscos. Não orientava a minha vida, simplesmente porque ela se orientava sozinha. Não precisava pensar muito no assunto, que a vida - essa amiga porreira - dava conta do recado sem grande interferência da minha parte.

Passaram-se 15 anos, casei, tive três filhos, separei-me e a vida mudou toda {a minha, a deste País e a deste mundo}. E porque lido diariamente com a fragilidade da natureza humana, tenho algum pejo em queixar-me das voltas que a vida me deu. De estar a ganhar tanto como quando comecei a trabalhar, depois de uma dúzia de anos de tarimba. De no final de cada mês verificar o dinheiro que tenho na conta antes de entrar no supermercado, para não passar vergonhas na caixa. De dar o litro no trabalho todos os dias {sim, que na Função Pública também se trabalha a sério}, e de chegar a casa sem paciência para os que amo e com uma recompensa cada vez menos justa no final do mês.
Tenho pejo em queixar-me, porque há muita gente a viver bem pior do que eu. Tenho uma casa maravilhosa que o meu pai ainda vai ajudando a pagar. Tenho uma família que me almofada a vida sempre que pode. Tenho ao lado o homem da minha vida e os únicos filhos que queria ter. 
Mas também tenho medo, caramba. Medo de que haja um dia em que não possa cumprir compromissos. Medo destes cortes a direito que nos entalam a vida. E principalmente, medo de não transmitir aos meus filhos motivação para sonharem e força para concretizarem esses sonhos. Por mais altos que sejam.

Há 15 anos atrás a vida estava mais fácil e limitava-me a seguir-lhe o rasto sem grandes reflexões. E agora que a coisa aperta, agarro-a com unhas e dentes pela primeira vez, e digo-lhe que sou eu que estou na dianteira e que, apesar do medo, arrisco sonhar mais alto do que antes.
É fazer isso, ou morrer de vez.


 

7 comentários:

Paula Ferrinho disse...

Porque tenho a mesma idade, passei pelo mesmo e sinto exatamente da mesma forma, tenho que comentar!!! É tudo tão verdade, o que diz!! Continuar a ter esperança, agarrarmo-nos com unhas e dentes ao bom que vamos tendo e, sobretudo,continuar a não perder o norte, será o segredo, DIFÍCIIIIIIIL, mas imperioso, sob pena de morrermos em vida... mesmo como diz!
Adorei este post, um beijinho, Marta!

Arre pra mamã!! disse...

Estou solidária nesta (injusta causa)! Não sou funcionária pública, mas levo com os cortes na mesma, pois trabalho numa Empresa Municipal!
E sinto as mesmas dificuldades que diz! Estou a ganhar o mesmo que há 10 anos, desci na tabela 2 escalões! Só que tenho mais um filho e menos folga!

Inês disse...

Eu também estou a ganhar o mesmo do que há dez anos atrás, com a diferença de que nessa altura ainda não tinha dois filhos. Eu na FP, o meu marido numa Emp. Pública, a "sobreviver" com alguma ajuda dos nossos pais.
Penso muitas vezes se poderei ajudar os meus filhos mais tarde, como os meus pais ainda conseguem...
Parece que nos mataram o futuro.
É muito difícil conseguir essa motivação que fala. Muito mesmo.

Raquel Caldevilla disse...

Um beijo enorme para ti, Marta*

Beatriz Sotomayor disse...

Tenho 20 anos, estudo Psicologia e trabalho numa loja do centro comercial 9 horas por dia. E quase todos os dias recebo currículos de pessoas licenciadas ou mestres, nas mais diversas áreas.
Desistir do curso não é opção (porque se não tentar nunca conseguirei), mas acreditar que vou conseguir ter um emprego, fiável e bem remonerado na minha área é complicado. Tenho medo de, depois de tanto esforço, continuar a trabalhar numa loja. É certo, ou menos é trabalho. Mas é aquilo que nós, que estamos a lutar por um futuro melhor, encaramos como "temporário" e não como objectivo. De qualquer modo, e apesar do medo, há que lutar! Arriscar! Dar o melhor! Mostrar o mérito! Não nos satisfazermos quando sabemos que merecemos mais. Há quem vença, porque não ser eu?

Mafalda disse...

Olá Marta, eu não trabalho na função pública e sim no privado. Nunca tive nada a ver com trabalhos do estado e tenho uma profissão quase liberal, mas apesar de não levar com os cortes no salário como tem vindo a acontecer na função pública, também ganho o mesmo que ganahava há 10 anos, com a diferença de que não tinha filhos, nem empréstimos contraídos ao banco, a vida não estava tão cara, o desemprego não era galopante e mais uma data de outras coisas que todos sabemos que entretanto aconteceram. Não quero com isto desvalorizar a sua situação, não é mesmo nada disso. Quero apenas demonstrar que no privado as coisas também não estão nada fáceis. Em 10 anos já passei por vários empregos e o ordenado manteve-se sempre o mesmo.. Não há aumentos, não há pagamento de horas extraordinárias e muitas vezes nem há folgas. E eu até me considero uma privilegiada, pois sempre tive contratos de trabalho, nunca trabalhei a recibos verdes e sempre descontei para a segurança social.
beijinhos e força*

Anónimo disse...

Marta,

Também sou AS, 26 anos e viver com o namorado à alguns meses! Trabalho num Centro de Dia que não me realiza, sobrevivo entre a rotina e a esperança de amanhã o telefone tocar com uma proposta de trabalho melhor. Farta de profissionalmente todos os dias serem iguais...mas depois dou por mim a pensar que apesar disto tudo tenho trabalho, um namorado fabuloso que me compreende todos os dias quando chego a casa e falo do meu dia, feliz quando faço pelo outro mais do que fiz por mim mesma naquele dia.
Ao menos vou vivendo a ver o outro lado da moeda...que nem tudo é mau...que está em nós poder tornar o dia/semana/mês/ano o melhor que conseguirmos...porque o tempo passa e não quero olhar para trás e só lamentar sem ter vivido*

PS-Adoro o seu blog! :)
Natália.