quarta-feira, 23 de julho de 2014

A tua casa

Não há vez nenhuma que não entre neste aldeamento e que não olhe para a tua casa.
Por fora, há caixilhos novos nas janelas e na porta da varanda. Não consigo ver mais nada. Apenas o que a memória de miúda ainda me traz dela e de ti. Lembranças de Timor e da Guiné espalhadas pela sala. As tuas entradas triunfantes com coelhos a pingar sangue pelo chão da cozinha. As vezes que me mandavas falar mais baixo para ouvires o Telejornal e as festinhas que te fazia na barriga proeminente e que te matavam de riso. Também me lembro das nossas idas à praia da Torralta, mesmo ao pé da bola de Nívea, enquanto a avó preparava uma açorda de bacalhau, ou um coelho de escabeche. O único que alguma vez comi com gosto.
De ti, terei herdado um certo quê achinesado que trago nos olhos, e o teu sorriso aberto. Talvez outras coisas mais, mas não te deixaste ficar o tempo suficiente para perceber outras semelhanças. 
Foste cedo demais para mim. Logo tu, que parecias gostar tanto da vida. Ris em quase todas as fotos que guardo tuas, embora hoje já saiba que há tantas vezes que nos rimos por fora e que latejamos de dor por dentro.
Talvez por isso {e apesar de todas as explicações dadas}, ainda não perceba a razão porque quiseste partir. Nem do beijo fugidio com que te despediste de mim.
O teu filho nunca mais largou a barba. E eu...eu sinto que parte da minha infância foi contigo.
Já o amor, esse, manter-se-á intacto a minha vida inteira, que por mais precoce e inexplicável que tenha sido a tua partida, ela não minou a herança que me deixaste: a neta tão amada que fui.





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