domingo, 6 de novembro de 2016

"Os meus, os teus e os nossos: E quando o casal decide ter um novo filho em comum?" [a opinião dos especialistas]

Por Ana Varão, Psicóloga, Mediadora Familiar Red Apple e mãe de dois filhos



As taxas crescentes do divórcio a que assistimos, onde o nosso país não é exceção, dão cada vez mais lugar a novos “encontros” amorosos, a novas uniões e novos casamentos. Nesta nova família que se cria, primeiro pelo nós, depois pelos nossos (ou será ao contrário?), urge conjugar duas histórias de família (ou mais), numa única forma de viver, debaixo do mesmo tecto. Para se (re)-criar esta dinâmica familiar que será única e tão própria, é preciso dar tempo ao tempo (eu diria mesmo criar espaço e tempo), sobretudo nos casos em que o casal decide ter “novos” filhos em comum. Neste processo de construção que se desenrola e cresce dia-a-dia, surgem desafios a todos os elementos da família, à sua estrutura, organização, tempos e mesmo afetos. Como já nos dizia José Gameiro em 1998, a propósito das novas formas de família: “a complexidade pode ser muito criativa (…), mais do que olhar para o que corre mal, temporariamente, é preciso ver o que é que se ganha quando se vive numa famílias destas”. Algumas questões a antecipar no/nas: 

Casal
- Não há “espaço” a sós para o casal se adaptar enquanto duo; imediatamente se vêem imbuídos na rede de interações/relações com os diversos papéis que desempenham e acumulam, com as necessidades que preenchem essencialmente enquanto progenitores. 
- Vamos juntar pessoas (filhos de uma e de outra relação) que não pediram para viverem juntas e que muito provavelmente não se apaixonarão imediatamente (pelo menos à primeira vista). E com o novo elemento poderá não ser exceção. Poderão surgir sentimentos de falta de atenção, competitividade, ciúme, birras que imporão uma reação atenta. E cabe aos “recém-novospais” (muitas vezes privados de umas boas horas de sono) encontrar o equilíbrio e a sanidade mental necessária para encontrar respostas que devolvam a paz ao ambiente familiar. 
- O padrasto/madrasta (palavrão que não rotula com justiça a proximidade e ligação emocional criada) irá, num processo de negociação de espaços, regras e tempo, conquistar o seu lugar. Terá um papel mais ou menos ativo, mostrando-se disponível sem substituir a figura parental. O lugar mais importante a conquistar será sem dúvida no domínio dos afetos. 
- Importa arranjar tempo para o casal, ter momentos de privacidade, cumplicidade, tempo para namorar e ter conversas de adultos. “Namorar é uma espécie de energia necessária para o dia-a-dia, tantas vezes desgastante de uma situação nova para todos” (Gameiro, 1998). 

Crianças/Filhos 
- Informem com antecedência os filhos do vosso projeto de “fazer crescer a família” e tanto quanto possível envolvam-nos na antecipação, chegada e cuidados ao pequeno novo elemento. 
- Dar especial atenção à relação que já existia entre pai/mãe-filho (antes de serem um casal já eram pais). Isso implica cuidar e preservar o espaço, o tempo e a atenção na relação com cada um deles (as brincadeiras, rituais, cumplicidades) adaptadas às idades e características particulares. 
- Os filhos que não coabitam diariamente mas que fazem parte da família, ainda que fisicamente menos presentes são tão importantes como os outros.
- Importante haver momentos a sós com cada filho (por exemplo, criar o dia do filho único). 

Ajuda, não esquecer que… 
- A decisão de ter um novo filho (vista por muitos como um acto de coragem) é fruto de sentimentos fortes de bem querer, de pertença, de continuidade deste amor a dois, pelo que este será protetor nas fases mais turbulentas. 
- Ambos identificam como amor maior o amor aos filhos e reconhecem neste amor conjugal a sua base, força e felicidade. 
- A família aumenta, por isso todos ficam a ganhar na rede de afetos, de ligações e emoções. 
- É importante cuidar/mimar o “eu” (muitas vezes negligenciado neste turbilhão de atenções distribuídas). Afinal “Pais Felizes= Crianças Felizes”.

[ainda sobre o tema das famílias recompostas e de recomeços felizes com filhos em comum, leiam a reportagem que ontem saiu no Diário de Notícias sobre esta "família dolce far niente", AQUI!]

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