domingo, 15 de novembro de 2015

Paris

Há catorze anos atrás, estava grávida do meu primeiro filho quando vi, em tempo real, tombarem as torres gémeas como castelos de papel. O mundo inteiro mudou desde esse dia, e mudaram igualmente os pequenos mundos de toda a gente, porque ficou claro como água que o que acontece aos outros pode mesmo acontecer-nos, e que o hiato de tempo entre a vida e a morte, e entre o quotidiano seguro e a catástrofe, pode ser coisa de nanosegundos.
Ontem soube dos actos de terrorismo em Paris às duas da manhã, quando dei conta que o meu homem não estava ao meu lado na cama. Gosto de esticar uma perna  e sentir-lhe as suas, ou de encaixar o meu corpo nele, num gesto que me dá a maior segurança de sempre, mas na madrugada dos ataques de Paris, ele não estava por lá. Levantei-me devagarinho e fui até à sala, achando que tinha adormecido no sofá, mas encontrei-o de ar incrédulo, dizendo-me muito depressa, como se vomitasse palavras, que Paris acabava de ser atacada. A mesma cidade onde fui no 9º ano apresentar um trabalho com colegas de turma e com a escritora Alice Vieira, a mesma onde o meu filho foi com a turma há dois anos atrás, e exactamente a mesma onde queremos muito ir a dois, numa escapadela romântica próxima.
A sensação de insegurança de há catorze anos voltou outra vez. Mas pior que isso, é esta sensação triste de que o mundo enlouqueceu, e de que as pessoas não são intrinsecamente boas, como aprendi a acreditar durante muitos anos. Não podem ser.
Pergunto-me em que mundo deixarei os meus filhos, e sinto medo. Não tanto de serem apanhados num ataque terrorista num canto qualquer não distante deste mundo, mas de ficarem numa herança de desumanidade, do "vale tudo", de fundamentalismo, de intolerância e de desrespeito pela diversidade de tudo o que existe, e que só nos torna mais ricos.
Pergunto-me onde isto tudo vai chegar e interrogo-me sobre se a Humanidade tem evoluído assim tanto, ou se fez só um upgrade politicamente correcto ao longo dos séculos.
Pergunto-me sobre tanta coisa e sinto medo de deixar de ser a mulher optimista que sou: um dos maiores legados que posso deixar aos meus filhos. 
Que, pelo menos isso, ninguém me consiga tirar.

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