segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Irmãos


Não tenho irmãos.
Tive-os, no entanto, com muitos nomes diferentes, muitas alcunhas, muitas cores de cabelo e de muitos feitios. 
Inventei-os ao longo da vida, como cães de companhia. 
Ensaiei muitas conversas pela noite dentro com cada um deles, muitos monólogos que queria como diálogos, muitos segredos contados no vazio que fizeram de mim, parte da mulher e da mãe que sou.
Os irmãos de carne e osso fizeram-me falta, embora não saiba o que isso é. Nunca lutei com nenhum, nem abracei nenhum. Nunca experimentei essa relação-de-amor-ódio que vejo nos meus filhos e que não reconheço, nem entendo. 
Os irmãos que conheço {e os meus filhos também}, falam uma linguagem própria. Uma espécie de dialecto-de-irmãos que flutua entre o "faço tudo por ti" e o "não se metam com o meu irmão", até ao "não te posso ver", ou "sai-me da frente". Extremos que coincidem em dois nanosegundos, não é preciso mais. 
Há um espírito de solidariedade, de união e de entreajuda que vejo nos irmãos, que me mata de inveja. Uma linha invisível que os prende uns aos outros, mesmo que estejam a muitos quilómetros de distância. Também não sei o que isso é. 
Não gostam de viver uns sem os outros, mas degladiam-se por tudo e por nada, não interessa a idade provecta que tenham, como se ainda lutassem pelo colo da mãe. Desconheço a sensação de lutar pela atenção dos meus pais, e acho que isso me tornou inerte durante tempo demais, mas já dei a volta.
Não entendo os irmãos. Tento lê-los e entender-lhes as merdas uns com os outros, mas com franqueza, percebo pouco da poda.
Quanto à irmandade que tenho cá por casa, vos garanto que é difícil de entender. Ora gritam, ora abraçam, ora vomitam impropérios uns contra os outros, ora são os melhores amigos do mundo. E têm uma característica que invejo: são a Muralha da China quando alguém de fora pisa os calos de um deles. Os três, juntos, formam uma parede intransponível.
Ainda assim, embora não saiba o que é ter um irmão para injuriar e amar perdidamente, emociono-me com estes três. Com as saudades irremediáveis que sentem uns dos outros, quando algum se ausenta, com a cumplicidade que só eles entendem, com este Amor visceral que permite que das entranhas saia um bocadinho de tudo.

Não tenho irmãos. Mas gostava.


1 comentário:

Escrever Fotografar Sonhar disse...

tenho três de sangue, é isso tudo e mais... Mas os que se adoptamos ao longo da vida, sendo diferentes são igualmente importantes, e à nossa medida. E desses tens uns quantos... beijocas.