terça-feira, 5 de agosto de 2014

Os meus nove meses mais compridos

Este post da Sónia trouxe-me de volta a gravidez de risco do meu filho Vasco.
O exacto momento em que grávida de apenas doze semanas, subia as escadas íngremes para o sotão da casa de uma amiga e fiquei parada a meio, perdida de dores e com a certeza de que algo de muito grave se desarrumara dentro de mim.
Daí até às trinta e sete semanas de gestação {quando o Vasco pôde finalmente nascer}, não saí mais da cama, a não ser para as ecografias estrategicamente marcadas pelo Dr. Amadeu para as oito da manhã, única altura do dia em que não arriscava ficar horas a fio na sala de espera do consultório.
As idas à casa-de-banho e a minha higiene pessoal eram feitas com a preciosa ajuda da minha mãe e do meu marido de então, a quem nunca deixarei de agradecer o pai que foi nesse período difícil. 
Vi a árvore de Natal desse ano {colocada na sala}, por fotografia, e a passagem de ano foi feita no meu quarto, comigo deitada, e com os amigos sentados à roda de uma mesa desmontável improvisada, aos pés da minha cama. Não mais esquecerei o caril de gambas que comi nessa noite à revelia da querida Dr.ª Isabel, e da intoxicação alimentar que, na madrugada de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro me levou às Urgências, e me obrigou a por lá ficar internada durante uns dias valentes. Apesar do meu estado miserável, ia de cuecas azuis, que não descuro a tradição.
Li tudo o que havia para ler e cheguei a aprender a lançar tarôt. Acho que ainda li as cartas a duas amigas, mas deixei-me disso quando se foi o "estado de graça". 
Assisti emocionada ao noivado do ainda Príncipe Filipe das Astúrias, como se da minha família se tratasse, fiz encomendas à mãe e aos amigos de perfumes, livros e anéis, e para espantar a depressão que às vezes se abatia sobre mim, pintava os lábios e os olhos todos os dias, como se todos os dias estivesse preparada para sair de casa. Nunca saía. 
Li muitas histórias ao Vasco e tivemos muitas conversas sérias, só os dois. Pedi-lhe, muitas vezes, que não saísse de dentro de mim cedo demais, porque a pressa e a ansiedade que também hoje o caracterizam, na altura poderia ter sido a morte do artista. Ouviu-me sempre e esperou até estar pronto. Hoje, nem sempre espera.
Houve quem me dissesse para desistir. Que era cedo demais, que eu era nova demais para estar para ali estendida, que a vida corria lá fora e que eu estava a perdê-la. Nunca ouvi disparate maior. A vida corria dentro de mim, num pulsar tão forte que me emocionava todos os dias. E todos os dias agradecia a oportunidade de a poder agarrar com a minha quietude.
E agarrei.


4 comentários:

Ana disse...

Houve quem dissesse para desistir? Uma pessoa ouve de tudo...

SusanaFonseca disse...

Não consigo conceber que alguém possa ter dito para desistir :(
Obrigada pelo testemunho... sabe bem nesta fase final em que desde as 22 semanas estou praticamente enclausurada em casa :) beijinho

Mafaldix disse...

Também tive de ficar de repouso, mas felizmente foi só das 5 semanas até às 20, aproximadamente, e na altura até me deixaste um comentário de força, bem simpático, no meu blog. Essa de dizerem para desistir é que nunca tinha ouvido... Não devia ser mãe, com certeza...

Diana Mora Moraes disse...

Adorei ler este testemunho! Desistir é uma palavra que as mães não conhecem... :)