terça-feira, 7 de abril de 2015

Corro pelas razões erradas [e então?]



Quando comecei este blogue {há cerca de três anos atrás}, não corria de todo. Aliás, se me dissessem que um dia viria a fazê-lo várias vezes por semana, que correria uma meia maratona e que terminaria cada treino com um genuíno sentimento de felicidade, diria que era mentira. Nunca acreditaria.
A verdade, é que comecei a correr pelas razões erradas. Não queria perder peso, nem ter uma vida mais saudável, nem sequer ser mais feliz através das amigas endorfinas, que só vim a saber quem eram, muito recentemente.
Fiz os primeiros metros {e depois os primeiros quilómetros} na companhia da Catarina e inspirada por ela, depois de ter sido convidada para participar com um texto no seu livro "Dieta das Princesas".
Depois disso, continuei a correr por pura irritação. Porque a minha amiga Ana começara a correr, porque não a conseguia acompanhar, e porque me sentia profundamente frustrada com a minha inabilidade para a poda, quando toda a gente à minha volta parecia correr à velocidade de uma gazela e com o mesmo prazer aparente de quem come um gelado de côco no Santini.
Essa irritação deu-me para sair um Domingo de casa, em plena neura, e correr os meus primeiros 5km, e ainda hoje me lembro de como fui surpreendida por mim própria, mais do que pelo feito, pela sensação de plenitude que aquilo me causou. Sentei-me num pino, à beira da estrada, e chorei.
Depois disso, continuei a correr por teimosia e, já mais recentemente, pela sensação de superação que a corrida me dá. 
Se pensar bem, tenho poucas coisas na vida que me devolvem este sentimento de fortaleza e de auto-suficiência, pelo que, em certa medida, a corrida sacia e amacia a minha auto-estima com uma rapidez e uma pinta que viciam, porque de cada vez que me supero, seja porque corri mais 1km, porque me cansei menos, ou porque gostei mais do processo {os objectivos dependem de mim e da minha criatividade para os criar}, cresço cá dentro. E só eu sei a sensação que é chegar a casa, com o corpo todo a doer, e saber que fiz meio quilómetro mais depressa, que treinei ao calor, ou à chuva, ou ao frio, saber que estiquei os meus limites e as minhas verdades absolutas todas {aquelas que me prendem ao chão}, e que não desisti, nem morri.
Deste processo de vitória pessoal, faz parte a partilha de fotos de corrida nas redes sociais, um assunto de que pouca gente fala, que muita gente pratica e que parece irritar muita gente. Normalmente, a que não levanta o rabo do sofá, ou, ao contrário, quem corre muito e já se considera num outro campeonato. Um muito sério, onde não cabe tempo, nem espaço mental para umas selfies ridículas antes, durante ou depois do treino, ou de uma prova. Afinal, correr não é para os vaidosos, nem auto-centrados, ou será?
Respeito muito quem não corre de todo, e quem o faz mesmo a sério. Já me custa, contudo, respeitar aqueles que não respeitam quem corre e gosta de partilhar. Retira mérito? É um exercício narcísico? É a razão errada para correr? Talvez possa ser, também, isso tudo. No meu caso, não corro para tirar fotos, mas tirar fotos ajuda. E também ajuda ouvir dos outros palavras motivadoras. Mas não se iludam, não fosse a minha motivação intrínseca de cada vez que estou cheia de dores, com falta de ar, ou prestes a desistir na passada seguinte, não seriam as fotos nem as palavras dos outros que me animariam, nem que me levantariam o rabo do sofá. Vale-me o que vou repetindo para mim própria de cada vez que dou mais um passo, e o significado que aquela corrida tem para mim. Aquele esforço horrível e a superação daquele desafio podem significar a reunião que vou conseguir moderar, a apresentação que vou ser capaz de fazer, as palavras certeiras que irei dizer oportunamente a alguém. Aquela corrida {que pode ser o momento certo para escrever mentalmente um texto, para ensaiar uma conversa difícil, ou para listar as compras do supermercado}, passa-se comigo mesma, e não há fotos, nem seguidores, nem palavras de estímulo que a façam acontecer se, cá dentro, não me apetecer mesmo fazê-la por razões que são só minhas.

Posto isto, talvez corra pelas razões erradas.
Mas alguém já descobriu quais são as certas? Ganhar uma prova? Correr mais que o vizinho do lado? Receber uma medalha? Emagrecer? Cultivar um estilo de vida saudável? Fugir de casa? Descomprimir? Tirar selfies? Ter tempo para pensar? Socializar? Integrar um grupo? Passar a meta? Melhorar a auto-estima? Comer mais um bolo? Ser feliz?

Qual é a razão certa para começar a correr? E para continuar?
Pois.


7 comentários:

Alexandra disse...

Eu também corro pelas razões erradas e adoro! :)

Inês disse...

É tão bom correr pelas razões erradas :) eu também o faço diariamente, reconheço que é a minha verdadeira psicoterapia!

Obrigada pelo texto, revi-me em cada palavra! Go Go Go Marta!

ddm disse...

Estou contigo!
E gosto de ver as tuas fotos, estás sempre gira e sorridente! Eu, que corro quase sempre sozinha, fico com vontade de correr ao lado de alguém que parece sempre tão bem disposto. :)

Anónimo disse...

Concordo em pleno. Força. Que haja muita foto para partilhar, é bom sinal :)

Escrever Fotografar Sonhar disse...

Amiga, não resisto... para mim este é "O Post" sobre corrida. Razões há muitas, cada um sabe as suas e o que importa é ser feliz.
beijocas.

Unknown disse...

Adorei este post! Não sei se há razões certas ou erradas. Eu nem sei bem porque comecei a correr...acho que foi o meu corpo que "pediu" para se mexer e os benefícios vieram por acréscimo.

Maria Rita disse...

Marta, o meu marido corre e costuma dizer que corre para comer, ele fez uma dieta e conseguiu perder algum peso, e quando corre sabe que pode descambar um bocadinho, é para esvaziar a consciência.
Adorei este texto.