quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Saltos Quânticos [repost]

Há quem diga por aí que há um prazo para mudar de vida. Um prazo de validade relativamente curto, como os iogurtes.
Afinal, chegam os filhos, as responsabilidades familiares, o emprego estável e a necessidade de o defender com unhas e dentes, a pressão social para que tudo corra conforme o figurino, que é como quem diz, para que os dias corram um a seguir ao outro sem grandes ondas nem mudanças de maré {tsunamis, então, nem pensar}, numa gingajoga compassada sem margem para grandes mudanças de fundo.
A partir de uma certa idade, não se fazem mudanças de fundo. Não se põem em causa casamentos {mesmo que se vá morrendo aos bocadinhos, todos os dias}, não se questionam relações duradoiras em nome de uma aparente estabilidade que parece confortar todos {os filhos, os pais, o papagaio}, não se ousa sequer pensar que se está tremendamente infeliz numa pele que já não se reconhece, porque o trabalho de a largar e o trabalho {maior ainda}, de se dizer que a largámos, é avassalador. De tal forma, que é preferível trocarmos o trabalho que dá mudar, pelo de parar de pensar e de sentir.
Os dias ganham um balanço sincopado em piloto automático, a vida assenta em velocidade cruzeiro, sentamo-nos à sombra de uma bananeira podre e suspiramos por um futuro melhor, mas que dificilmente poderá ser o nosso. Deixamo-nos levar pela vida que tem vontade própria {a sacana!}, ao invés de a agarrarmos pelos cornos, sem parcimónia, e de a levarmos a reboque das escolhas que temos de fazer. Sob pena de definharmos até à morte lenta, e certa.
Talvez porque me recusei a morrer cedo, aos 37 anos mudei de vida.
Tinha marido e três filhos pequenos. Tinha uma vida organizada, funcionária pública, tudo dentro da norma instituída.
Filha exemplar, aluna exemplar, o exemplo em pessoa, nunca levantava ondas de nenhuma espécie, não fosse a vida mandar-me bugiar sem candura. Tornei-me mestre na arte de boiar ao sabor da corrente, cuidando para que todas as decisões tomadas fossem as politicamente corretas, que o ideal é passar sempre por entre a chuva.
Dá-se o caso de ter descoberto a tremenda infelicidade em que andava metida. Culpa de ninguém. Sequer da pessoa que tinha ao lado e com quem escolhera ter um projeto de família. [Há coisas na vida que não são culpa de ninguém, embora custe encaixar].
Aquilo que começou por ser uma sensação, adensou-se ao ponto de quase deixar de respirar. Um aperto no peito e um nó na garganta. Uma vertigem de vómito. Uma tristeza latente e, no entanto, praticamente invisível a olho nu.
E quando não consegui mais, saltei.
Passaram-se alguns anos desde que essa maldita sensação me largou. Essa angústia que só eu via em mim, e que me deixava a pairar por entre os vivos, como um fantasma.
Apaixonei-me outra vez, casei outra vez. Baralhei e voltei a dar, numa jogada arriscada, mas incontornável.
E quando os fantasmas passam hoje por mim {moribundos por dentro, mas aparentemente no mundo dos vivos}, reconheço-os.
E volto a lembrar-me, uma e outra vez, a razão que me fez saltar.

[para quem teve preguiça de ler o post AQUI]



3 comentários:

Anónimo disse...

Tão verdade, fiquei com lágrimas nos olhos ao ler este post, neste momento sou um desses fantasmas, com grande vontade de saltar, mas com receio de prejudicar os que estão á minha volta.
Quero sair muito da zona de onde vivo (que me sufoca, que me mata lentamente) e arrastar marido e 3 filhos para onde me sinto verdadeiramente feliz para a cidade do meu coração e começar de novo, mas tenho medo, muito medo...

Anónimo disse...

Tão bom ter encontrado o seu blogue. Este texto em particular mexe bastante comigo. Eu sou um fantasma, dentro do meu lençol levava o meu marido e os nossos 2 filhotes. Neste momento se por um lado estou feliz por ter despertado e o lençol estar a cair, por outro sinto uma profunda tristeza por largar um projecto que me fazia sentido. Ver, ou ler, que há quem tenha passado por situação semelhante e tenha encontrado a verdadeira felecidade da-me esperança.O futuro é incerto mas com a certeza de que vou ser mais feliz, comigo e com os outros! Chega de viver na superficialidade ou debaixo do lençol!

A Mãe Filósofa disse...

A mudança não é só para quem quer ou para quem percebe que precisa dela mas para quem pode mudar. Infelizmente a necessidade de pagar contas e de sustentar filhos é justificação suficiente para impedir a mudança e o não ter para onde mudar. Tambám não sou feliz no meu emprego, até consigo gostar daquilo que faço mas não faço aquilo que gosto, aquilo que me define e que me ajudou a construir a minha identidade.E não é porque não quero é porque as portas todas se fecharam e fiquei com a janela que se abriu. Felicidades!