sexta-feira, 11 de julho de 2014

Todos os anos é isto!

Todos os anos por esta altura, confronto-me com o tempo que vai caindo sobre mim e que deixa marcas.
Passo o dia despida pela casa, biquíni, trapos em cima, chinelas no dedo. É impossível não me olhar com olhos de ver. 
Ao contrário do ano inteiro, vagueio sem maquilhagem, os olhos minúsculos sem o clássico eyeliner, a pele mais sulcada do que a base permite, as olheiras não disfarçadas do colchão duro e da almofada torre de pizza.
Tento não dramatizar, nem ser mal agradecida com a mãe Natureza.  Tenho 40 anos e um corpo porreiro para quem já pariu três filhos, é o que me dizem. 
O meu marido, talvez ainda embriagado do casamento recente numa paixão mais antiga, sussura-me declarações de amor. Verdadeiras odes a partes do corpo que vos deixo apenas a imaginar. Sinto-me uma super-mulher nessa altura. Uma quarentona enxuta, que sabe exactamente o que quer numa embalagem ainda no prazo. Um luxo dos 40. Bolas, sou espectacular.
Mas sozinha no meu canto, vejo-me a frio. As lesões da psoríase espalhadas pelo corpo, as linhas à volta dos olhos, os braços flácidos como gelatina, o maldito duplo queixo que teima em não me largar.
E quando isto acontece,volto lá atrás, aos 7 anos de idade. Ao exacto momento em que regressei à escola primária depois de um acidente que me obrigou a fazer duas operações à cabeça, e a andar careca durante muitos meses. Meses infinitos. Volto ao recreio e aos colegas que me gritavam que era feia. E que gozavam com a minha cabeça coberta de ligaduras e com as pernas pejadas de crostas. Volto lá, àquele momento de dor incompreensível para uma criança de 7 anos, e recordo tudo o que consegui ultrapassar. O patinho feio que um dia acordou cisne, simplesmente porque mudou a forma de se ver.
E lá, nesse buraco negro, olho-me no presente e acho-me linda de linhas nos olhos e de braços a sucumbir à gravidade. 
Arrisco-me a dizer que nunca estive tão bem.


2 comentários:

Escrever Fotografar Sonhar disse...

A verdade é essa, estás no teu melhor, por fora e por dentro.
Sem dúvidas.

Raquel Caldevilla disse...

Marta: és uma mulher muito bonita, por fora e por dentro. :)