segunda-feira, 14 de julho de 2014

Mudança

Acredito que as mudanças certas {e normalmente as mais drásticas}, são aquelas para as quais não há alternativas viáveis. 
Mudar de vida a fundo, num processo que implica sofrimento para o próprio e para outros, não é uma bifurcação com dois caminhos possíveis. Não é o mesmo que escolher entre vários pratos numa ementa, entre dois destinos de férias, sequer entre dois empregos possíveis.
As mudanças que implicam dor {tantas vezes as mais transformadoras}, não são uma decisão, mas uma estratégia de sobrevivência. São aquelas que, apesar do sofrimento que implicam, têm o poder de nos salvar de uma asfixia lenta e tantas vezes invisível, que nos vai apagando silenciosamente por dentro, mesmo que aos olhos dos outros estejamos a cores.
Mudar drasticamente {num processo que se quer consciente, é dessa mudança que falo}, não nos deixa margem de manobra. É como se fosse o fim de uma linha comprida que já não tem volta atrás, mesmo que o retorno à casa de partida pareça o mais confortável e o mais aliciante numa leitura em diagonal.
Mas já é tarde demais. O caminho está feito, as dores de parto deste nosso renascimento estão lancinantes, o medo de saltar é, apesar de tudo, menor que a dor de cristalizar. 
Entretanto, as alternativas já se fecharam. As portas atrás de nós estão encerradas e há pequenas janelas que à nossa frente se abrem de par em par. Há luz que entra e que nos aquece o rosto e os olhos ainda fechados. Sente-se uma ligeira aragem. Um arrepio percorre-nos a pele, de medo e de excitação. Erguemo-nos devagar para o abismo. Em pontas dos pés. Atrás de nós ouvem-se vozes furiosas. Palavras indistintas, já desprovidas de sentido. Frases desconectadas de nós, como num sonho. 
Já não olhamos para trás. O corpo saiu do solo e está a planar por cima do buraco negro.
Mergulhamos com a única rede possível: a certeza de que não queremos morrer.

Às vezes perguntam-me como consegui mudar de vida. Como tive coragem de sair de um casamento com três filhos pequenos e recomeçar.
A resposta está dada.




14 comentários:

Jardim de Algodão Doce disse...

Meu Deus, estas palavras que escreveste hoje fazem-me tanto sentido...

Anónimo disse...

Revi-me em tudo...passei pelo mesmo mas sem filhos e se custou?! Oh se custou! Custa tanto deixar como ser deixado, custa curtar laços que se criaram em décadas. Custa recomeçar do zero! Mas o prémio que tive foi o de hoje, de estar feliz hoje com quem amo e me preenche, pode até nem ser eterno, mas o que é hoje, já me deixa tão feliz.
Hoje olho para trás e sei que fui uma MULHER de coragem!

Joana disse...

Um post fantástico de uma mulher maravilhosa :-)

Obrigada pelo exemplo de vida!!

Mafalda disse...

Revejo-me em cada palavra. Também eu saí de um casamento com filhos para dar o salto no abismo, mas com a certeza de que o caminho estava em marcha e que era impossível continuar onde estava. O tempo vai amenizando a dor (a nossa e a dos outros) com a certeza de que de uma forma ou de outra tudo se resolve. Só não há mesmo solução é para a morte.

homem sem blogue disse...

Todas as pessoas deveriam passar os olhos por este texto. É para ler e reler.

homem sem blogue
homemsemblogue.blogspot.pt

Unknown disse...

Adoro ler, quer dizer, adoro apreciar como o texto que foi construído por outra pessoa vai provocando (ou não) em mim reacções. Leio muito, releio e experimento pensamentos e emoções diferentes de cada vez que leio, mas adoro ler textos de quem escreve bem. E tu escreves muito bem. Mas hoje arrepiei-me com as tuas palavras, com a sinceridade bruta com que dizes que foste para a frente porque atrás já não tinhas nada. É preciso uma pessoa ser muito forte para admitir que as portas já lá não estão. É o que tu és.

Anónimo disse...

Leio o blogue mas nunca comentei. Obrigada pela partilha. O meu caminho foi mais longo e penoso. Fiquei tempo demais a meio da ponte, entre uma porta que devia ter sido fechada por completa mas que teimava em ficar apenas encostada e um novo caminho que me assustava.

Anónimo disse...

Adorei o texto...bjinhos Irina A.

Joana disse...

Lindas palavras... E a foto que as acompanha também está muito gira!

Escrever Fotografar Sonhar disse...

É o que tão bem escreves-te e mais ainda.

cátia disse...

Olá Marta, estou numa encruzilhada e quando a li senti que a dureza da tomada de uma decisão de pôr um fim a um casamento nos trará eventualmente a paz de alma que precisamos. deixou-me uma janela de esperança, de que tudo de resolve.
Vivo num limbo com uma bebé de 20 meses e um marido infiel e tenho medo de dar o salto com a minha filha ao colo.

Obrigada pelas palavras.
beijinho para si

Roberta disse...

Sou brasileira, e não pude deixar de me encantar com suas palavras e seu modo de ver a vida.
Este texto sobre mudança é mais especial porque também vivi isso há exatos 3 anos e me lembro bem e revivi quando te li. Obrigada por partilhar esse dom com o mundo.
Grande beijo de sua mais nova admiradora, Roberta

carlam disse...

Ola Marta,
Estou num casamento, que já o deixou de ser à muito, mas mesmo assim continuo a viver com o pai da minha filha, não tenho coragem, não sei o que fazer, apavora-me pensar no que a minha filha de 3 anos pode sofrer, também não quero que a minha filha deixe de ter uma relação saudável com o pai, eu sei que não a posso querer ter sempre comigo e ao mesmo tempo que partilhe o dia com o pai.
Ela é tão feliz... o sorriso dela ilumina-se ainda mais quando estamos os 3 na brincadeira, é ao olhar para ela que não consigo tomar uma decisão, por outro lado também é o não querer que ela assista às nossas discussões, ou atualmente à nossa indiferença um com o outro, não é isto que lhe quero passar, uma mãe morta por dentro, que está com uma pessoa que mesmo que não seja intencionalmente me reduz, poe em causa tudo o que faço, me sufoca com repetidas explicações sobre como devo fazer tudo o que se relaciona com a nossa filha...como ele acha que é correto...ou mesmo que não saiba está sempre a falar no mesmo à espera que eu lhe dê uma explicação, uma resposta, mas se dou, contraria-me...
Eu sei que é insegurança dele, são medos em relação à nossa filha, infelizmente esta alteração dele começou no dia em que a nossa filha nasceu, é o que ainda me mata mais...mas eu nunca vou considerar que a nossa filha é o motivo das nossas discordâncias, ele é que é assim, eu até já sabia que ele iria ser possessivo em relação à menina, até tinha uma ideia que não iria ser fácil, mas nunca pensei que chegasse a este ponto.
Como se diz, estou feito uma tola numa meio da ponte...
Se a Marta me pudesse dar a sua opinião, sobre a questão dos filhos, como dividir os dias e como acha que uma criança de 3 anos poderá reagir a uma separação dos pais.
A minha decisão está tomada, só me falta coragem para a conseguir pôr em pratica, neste momento acho que não existe amor, só tristeza, revolta, o não o conseguir perdoar por ter estragado esta fase tão perfeita que foi o nascimento da nossa filha e o seu crescimento diário.
Ainda acresce o facto de por ele não termos mais filhos, coisa que eu neste momento também não o faria, porque a nossa relação já não existe, mas que o meu sonho sempre foi ter mais filhos.
Como pode ver existe muito ressentimento que eu já não consigo ultrapassar, tentei durante estes 3 anos, mas neste momento estou sem forças...
Desculpe Marta pelo desabafo, pelo comentário mais que longo.
Se puder e eu agradecia, responda-me, por favor, por email.
Parabéns pelo blog, adoro a felicidade dos vossos rostos, um sorriso tão puro e cheio de alegria.
Beijinho
Carla

Anónimo disse...

Li parte deste post num outro blog - às nove no meu blog - e depois consultei no blog original. E li preto no branco a minha decisão de há quase um ano atrás. Uma decisão de separação de um homem e de uma vida que já não existia há muito tempo. Nunca tive medo de mudanças - de trabalho, de cidade - mas esta era mais dificil porque implicava ser mãe solteira de 2 filhos de 15 e 8 anos. Decorrido quase um ano, posso dizer que estou mais feliz. Não viajo, não compro tanta roupa, não passo férias em hoteis, ando num carro velho, conto centimos até ao final do mês: perdi coisas materiais.
Mas ganhei paz, ganhei alegria, ganhei amigos, ganhei gargalhadas, ganhei uma data de coisas imateriais que só uma alma sem apego às coisas materiais pode compreender... Desatrofiei as asas e agora posso voar e ser eu... sem criticas, sem desconfianças, sem recriminações, sem chantagens.
Sou uma pessoa melhor e a melhorar cada dia...
Obrigada pelas palavras