Eu, funcionária pública me confesso!

Desço as escadas poucos minutos antes da hora.

Já cá em baixo, espera-me o relógio de ponto e uns quantos colegas a aguardarem que passe o minuto que falta para picarem, e saírem às suas vidas.

Num impulso épico, pico antes do minuto passar. Olham-me, incrédulos e perguntam-me com um leve esgar de desprezo: "vai picar antes da hora? Depois tem de justificar...".

Saltito de emoção por dentro diante do devaneio, e digo que não me importo. A frase sai-me quase histriónica, como quem decide largar o emprego chato para se lançar por conta própria, ou praticar parapente do alto do Corcovado.

Os que esperam pelo derradeiro minuto riem-se timidamente do meu arrojo.

Afasto-me com passo seguro dos que ainda esperam os últimos segundos e ouço-os picar, uns a seguir aos outros, numa espécie de romaria silenciosa.

Sorrio por dentro até ao parque de estacionamento e penso "ganda maluca". Sinto-me no topo do mundo. Uma revolucionária. 

E depois...depois fico sem saber quem é mais desconcertante: se quem espera que passe um minuto, se quem pica um minuto antes. A "ganda maluca" que, imagine-se, transgride todas as regras e pica às 17.29h.

Fogo, sou espectacular.