Há quem diga
por aí que há um prazo para mudar de vida. Um prazo de validade relativamente curto,
como os iogurtes.
Afinal, chegam
os filhos, as responsabilidades familiares, o emprego estável e a necessidade
de o defender com unhas e dentes, a pressão social para que tudo corra conforme
o figurino, que é como quem diz, para que os dias corram um a seguir ao outro
sem grandes ondas nem mudanças de maré {tsunamis,
então, nem pensar}, numa gingajoga
compassada sem margem para grandes mudanças de fundo.
A partir de
uma certa idade, não se fazem mudanças de fundo. Não se põem em causa
casamentos {mesmo que se vá morrendo aos bocadinhos, todos os dias}, não se
questionam relações duradoiras em nome de uma aparente estabilidade que parece
confortar todos {os filhos, os pais, o papagaio}, não se ousa sequer pensar que
se está tremendamente infeliz numa pele que já não se reconhece, porque o trabalho
de a largar e o trabalho {maior ainda}, de se dizer que a largámos, é
avassalador. De tal forma, que é preferível trocarmos o trabalho que dá mudar,
pelo de parar de pensar e de sentir.
Os dias
ganham um balanço sincopado em piloto automático, a vida assenta em velocidade
cruzeiro, sentamo-nos à sombra de uma bananeira podre e suspiramos por um
futuro melhor, mas que dificilmente poderá ser o nosso. Deixamo-nos levar pela
vida que tem vontade própria {a sacana!}, ao invés de a agarrarmos pelos cornos,
sem parcimónia, e de a levarmos a reboque das escolhas que temos de fazer. Sob
pena de definharmos até à morte lenta, e certa.
Talvez porque
me recusei a morrer cedo, aos 37 anos mudei de vida.
Tinha marido
e três filhos pequenos. Tinha uma vida organizada, funcionária pública, tudo
dentro da norma instituída.
Filha
exemplar, aluna exemplar, o exemplo em pessoa, nunca levantava ondas de nenhuma
espécie, não fosse a vida mandar-me bugiar sem candura. Tornei-me mestre na
arte de boiar ao sabor da corrente, cuidando para que todas as decisões tomadas
fossem as politicamente corretas, que o ideal é passar sempre por entre a
chuva.
Dá-se o caso
de ter descoberto a tremenda infelicidade em que andava metida. Culpa de
ninguém. Sequer da pessoa que tinha ao lado e com quem escolhera ter um projeto
de família. [Há coisas na vida que não são culpa de ninguém, embora custe encaixar].
Aquilo que
começou por ser uma sensação, adensou-se ao ponto de quase deixar de respirar.
Um aperto no peito e um nó na garganta. Uma vertigem de vómito. Uma tristeza
latente e, no entanto, praticamente invisível a olho nu.
E quando não
consegui mais, saltei.
Passaram-se alguns
anos desde que essa maldita sensação me largou. Essa angústia que só eu via em
mim, e que me deixava a pairar por entre os vivos, como um fantasma.
Apaixonei-me
outra vez, casei outra vez. Baralhei e voltei a dar, numa jogada arriscada, mas
incontornável.
E quando os
fantasmas passam hoje por mim {moribundos por dentro, mas aparentemente no
mundo dos vivos}, reconheço-os.
E volto a
lembrar-me, uma e outra vez, a razão que me fez saltar.
[para quem teve preguiça de ler o post AQUI]
3 comentários:
Tão verdade, fiquei com lágrimas nos olhos ao ler este post, neste momento sou um desses fantasmas, com grande vontade de saltar, mas com receio de prejudicar os que estão á minha volta.
Quero sair muito da zona de onde vivo (que me sufoca, que me mata lentamente) e arrastar marido e 3 filhos para onde me sinto verdadeiramente feliz para a cidade do meu coração e começar de novo, mas tenho medo, muito medo...
Tão bom ter encontrado o seu blogue. Este texto em particular mexe bastante comigo. Eu sou um fantasma, dentro do meu lençol levava o meu marido e os nossos 2 filhotes. Neste momento se por um lado estou feliz por ter despertado e o lençol estar a cair, por outro sinto uma profunda tristeza por largar um projecto que me fazia sentido. Ver, ou ler, que há quem tenha passado por situação semelhante e tenha encontrado a verdadeira felecidade da-me esperança.O futuro é incerto mas com a certeza de que vou ser mais feliz, comigo e com os outros! Chega de viver na superficialidade ou debaixo do lençol!
A mudança não é só para quem quer ou para quem percebe que precisa dela mas para quem pode mudar. Infelizmente a necessidade de pagar contas e de sustentar filhos é justificação suficiente para impedir a mudança e o não ter para onde mudar. Tambám não sou feliz no meu emprego, até consigo gostar daquilo que faço mas não faço aquilo que gosto, aquilo que me define e que me ajudou a construir a minha identidade.E não é porque não quero é porque as portas todas se fecharam e fiquei com a janela que se abriu. Felicidades!
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